terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Serviço Público


- Eu posso, se eu quiser. – falou ele.
- Você sabe que não pode. – respondeu ela.
- Eu posso muito mais do que você pensa. Quer apostar?
- Seria interessante, mas eu não to a fim de levar bronca por sua causa.
- Por isso você ainda faz o que faz e nunca sobe de posto. Quanto tempo você trabalha pra ele?
- Uma eternidade! – responde ela, rindo.

Ela estava sentada em uma mureta, balançando os pés e ele estava ao seu lado, apoiado na mureta com os cotovelos. Ambos estavam em horário de descanso. Gostavam de alfinetar um ao outro, era seu passatempo favorito, mesmo que às vezes, ele perdesse a paciência e a ofendesse de verdade. Ele era alto, loiro e bonito, ela era baixa e de cabelos pretos. Estavam descansando, olhando o movimento na rua.

- Você gosta mesmo desse trampo de bosta?
- Claro que sim. Paga bem e o horário de descanso é o bastante.
Ele solta um grunhido que mal chegou a se tornar uma palavra. Acende um cigarro e dá uma tragada.

- Você se contenta muito facilmente, não tem ambição e sempre abana o rabinho pro chefe, como um cachorrinho.
- E você sempre quer fazer tudo do seu jeito, se estrepa, fica de mau humor... E depois eu tenho que agüentar o chefe brigando e o sua cara de azedo.
- Eu sei das coisas, ok? – ele levanta a voz, demonstrando irritação. – Pelo menos não sou uma baixinha submissa. Eu quero subir! Fazer mais do que isso, porque sei que mereço.
- Você esquece que ele é quem manda e é ele quem decide quem sobe e quem desce. O chefão dá as ordens e nós, os funcionários de serviço público, obedecemos. A gente podia estar fazendo coisa diferente, se você parasse com suas idéias malucas.
- A culpa não é minha se você é uma acomodada.
- Ah, e tenho culpa eu? Eu tenho culpa que você é um desorganizado? O Gabriel falou que a sua papelada ta uma bagunça, e que eu vou ter que arrumar tá?
- Detesto esse Gabriel... – uma longa baforada de cigarro – é outro capacho do chefe, sempre babando o ovo.
- Ele conquistou a posição dele, e merece estar lá, não é como você que só reclama.
- Mas é que esse serviço enche o saco! Lavar a roupa suja pra depois mandar pra cima, limpinha... Fala ai, que merda de trabalho hein?
- O meu é pior que o seu, não reclama. Sou eu que vou buscar a roupa pra você lavar. Às vezes é tranqüilo, mas às vezes ta um nojo! Não sei como esse povo consegue se tão imundo!

Ela estica os braços para o alto, toma ar e volta a falar:
- Por isso você tem que ficar na sua, estamos juntos nessa, subimos ou descemos juntos, entendeu?

Ele ri com a mão na boca.
- Eu e você... Limpamos sujeira, mas ninguém gosta da gente, por isso ficamos sempre por baixo. Sem falar que o povo adora falar mal da gente. Toda vez que acontece uma merda lá em cima, adivinha em quem eles põem a culpa?
- E eu? Quando eu chego, todo mundo faz silêncio e quando eu viro a costas, eles cochicham coisas uns pros outros...

Ele olha para o relógio e faz cara feia. Apaga o cigarro na mureta e olha para sua companheira.
- Cabo o descanso, hora de voltar pro trabalho.

Ela se levanta e apanha sua foice que estava apoiada na mureta.
- Nos vemos mais tarde... Bom serviço, Lú.
- Eu odeio quando você me chama assim!

E lá vão eles, para mais uma eternidade de trabalho.


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Missão anjo da guarda: capitulo 6: Limpando a sujeira




Estávamos sentados no parapeito da varanda mal cuidada do quarto dele, não dizíamos uma só palavra pelo menos há uma hora. Às vezes trocávamos alguns olhares mão mantemos o silencio.  Não sei se ele sabia que havia um demônio dentro dele, mão certamente não era o mais prudente a ser dito.  “ Ei, garoto! Sabia que você só está vivo porque um demônio prende sua alma” Não! Com certeza não era uma boa ideia.
Minha barriga roncou.
Ele riu
–Acho que alguém está com fome.
– Talvez. – fiquei envergonhada.
– Eu conheço uma lanchonete onde costumo comer. Bem , podemos ir lá, mas só se você pagar.
Eu ri.
– Bem, espera um pouco aqui então. – me levantei e fui até meu quarto. Contei as notas e vi que não teria dinheiro por mais muito tempo.
– Lucas! – gritei o supremo dos anjos da guarda.
Um raio de luz entrou pela janela e eu senti a sua presença.
– O que foi Isabela? – ele disse nada animado. – Admito que achei que pediria por socorro em menos tempo.
– Não estou pedindo socorro, apesar de não terem me dito que havia um demônio na história. – resmunguei furiosa.
– Ah, não julguei essa parte importante. Apenas achei que merecesse uma missão a altura. – ele foi sarcástico.
– Que seja! Estou precisando de mais dinheiro. – fui direto ao assunto. – Logo a quantia que me deixou vai acabar.
– Arrume um emprego, como qualquer humano faz quando precisa de dinheiro.
– Você está brincando comigo? – só poderia ser. Caramba, eu sou um anjo!
– Não.  – ele manteve o tom sádico. – Se precisa de dinheiro arrume um emprego. Você precisa se misturar aos humanos e não há forma melhor.
Peguei a minha bolsa e sai do quarto em fúria. Como ele poderia fazer aquilo comigo? Eu não sou a droga de um humano! Sou um anjo. Um anjo!
– O que te deixou tão furiosa? – perguntou Pedro segurando o riso.
– Nada, vamos?
– Tá, vamos.
Ele saiu andando e eu o segui. Caminhamos por uns cinco minutos até chegarmos a uma lanchonete. Imagine um lugar esquisito com o letreiro caído e com poucos clientes num lugar mal freqüentado, aquilo era ainda pior.
Quando entramos os poucos fregueses que estavam lá me olharam da cabeça aos pés. Pedro se sentou próximo ao balcão e eu me sentei ao seu lado.
– Quero um x burger, com batatas e um copo de coca. E pode trazer o mesmo para gata. – ele pediu para um cara barbudo, com a cara fechada e que perecia ser a única pessoa que trabalhava no estabelecimento. Ele vestia um uniforme listrado coberto por uma camada de gordura.
Dez minutos depois ele voltou com o pedido. Pedro não fez cerimônia e deu logo uma bela mordida no sanduíche. Peguei o meu e fiquei encarando por alguns segundos, pingava uma gordura que provavelmente deveria ter sido usada e reutilizada uma centena de vezes.
– Não me surpreenderia se você morresse de AVC aos 30 anos. – disse baixinho.
– Para de reclamar e come. – ele disse.
Dei uma mordida naquilo e meu estomago revirou. De repente eu não sentia mais fome alguma.
Olhei uma placa atrás do cara onde estava escrito em uma caligrafia feia: Precisa-se de funcionários.
– Estão precisando de alguém para trabalhar aqui? – perguntei ao apontar para placa.
– Sim, por que, está interessada? – perguntou o homem ao me encarar.
– Bem... – comecei a gaguejar.
– Está contratada. – ele disse me jogando um avental engordurado.
Pedro riu.
– Acho que não é apenas eu quem precisa de um emprego. – apontei para o Pedro.
– Não, pêra ai... – ele levantou as mãos e tentou se esquivar.
– Não se esqueça de que me deve 300 reais. – lembrei a ele.
– Droga! Preferia continuar devendo ao agiota. – ele lamentou pegando um avental. – Me lembre de ficar longe de você da ultima vez, só sabe me meter em encrencas. – resmungou.
– Podem começar agora. – ele apontou para um cliente com a mão levantada.
– Deixa que eu vou. – Pedro disse se levantando e colocando o avental.
– Para você, garota, tem uma pilha de vasilhas esperando lá dentro.
Uma pilha de vasilhas? Ele quis dizer uma cozinha inteira! Tive que segurar o vômito quando vi a situação daquela cozinha. Não sabia se o pior foi o rato que correu para debaixo do fogão ou as moscas que voavam sobre a pilha com vasilhas ate no teto. Lucas, eu odeio você! Quis gritar.
Comecei a lavar as vasilhas. Senti algo passando no meu pé, não quis olhar para baixo com medo de ver o que era e querer sair correndo dali. O dono da lanchonete jogou perto de mim um esfregão e uma balde. Era muita humilhação para um dia só!!! Um anjo jogado em meio às imundices humanas, isso deveria ser proibido.
Horas depois eu me escorei no chão cansada e coberta de gordura. Olhei para a cozinha finalmente limpa.
– Ainda está viva? – perguntou Pedro ao aparecer na porta.
– Isso é um mistério. – respondi ainda cansada.
Ele riu.
– Acho que já podemos dar o fora daqui. Ele já esta fechando a lanchonete.
– Quanto tempo passei limpando aquilo? –perguntei enquanto caminhávamos lado a lado até a saída.
– Umas seis horas.
– Nossa! – eclamei.
– Vejo vocês amanha! – gritou o dono.
Fomos caminhando até o prédio. Pedro não conseguia conter o riso ao olhar para mim, descabelada e suja. Aquilo definitivamente era demais para mim.
– Amanhã eu sirvo as mesas e você limpa a cozinha. – disse jogando o avental em cima dele.

Continua...

By Ashe

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Seja bom Jonny



   Não importa em que época do tempo você se encontre, sempre haverá problemas humanos, sejam causados por eles ou não. Assassinatos, suicídios, brigas, guerras, doenças... No ano de 2020 não é diferente, quer dizer, não tanto. A tecnologia ajudou as pessoas a melhorarem um pouco mais suas vidas, enquanto os líderes mundias vestem uma máscara de paz, esperando pelo momento certo para atacar. Não é culpa deles, não mesmo, afinal, que culpa tem o presidente dos Estados Unidos se outros países menores se recusam a seguir suas ordens? Nenhuma, absolutamente nenhuma.
    Os problemas ainda afetam as pessoas de todas as maneiras de antes. Veja eu por exemplo; meus pais estão se prestes a se divorciar. Sei que isso pode te parecer bobo e infantil, mas me afeta de um modo terrível. De uns dias para cá fiquei ruim, adoeci. O médico disse que não encontrava nada de errado, no entanto eu me sinto cada vez mais fraco e desanimado. Não saí mais de casa e acabei perdendo o contato com meus amigos.      
   Eles me ligavam às vezes, mas aos poucos foram parando de ligar. Não, eles não desistiram de mim, eu quem desistiu deles primeiro.
    Quando tenho ânimo para alguma coisa, gosto de ler. Peguei raiva da televisão e do vídeo game; seu conteúdo apenas mostra uma realidade que eu sei que não existe, possibilidades que não estão ao meu alcance.
    Eu tinha uma namorada também, Pâmela. Ela era linda e muito gentil. Terminamos. Na verdade eu não sei quem terminou com quem, mas não estamos mais juntos. Quando minha depressão começou a me derrubar ela sempre estava aqui comigo, tentando me animar. Eu a via tentar de tudo e quase se desesperar perante minha situação. Ela sentia-se muito triste por não conseguir me ajudar em nada. Um dia me ligou, dizendo que era uma inútil, que não podia fazer nada por mim. Discutimos um pouco e desligamos... Ela não me ligou mais e pelo que conheço dela, deve ter esperado eu ligar, mas não liguei. Ela merece mais do que um deprimido que não reconhece o esforço dela.

    Numa noite como muitas outras, meus pais começaram a brigar feio. Eu não posso exigir que eles se deem bem, mas também não sou obrigado e ficar aqui ouvindo isso. Fugi. Abri a janela do meu quarto e pulei para fora, correndo para a rua. Eu não sabia pra onde eu iria, nem o que faria, só quis correr pra longe sem me importar com quando voltar.
Quando dei por mim, estava perto do porto da cidade. Sorri olhando os navios parados, queria vê-los mais de perto. Adentrei com cuidado, teria problemas se fosse pego ali a esta hora... Mas por que a preocupação? Não tem nada pra mim em casa.
    Andei pelo lugar, olhando o navio enorme que estava na minha frente. Tinha muita vontade de entrar nele para que me levasse embora daqui. Foi quando eu ouvi um barulho; virei-me assustado, para ver de onde vinha.
Num canto escuro, vi o que parecia ser uma pessoa, sentada no chão e encolhida. Tentei falar com ele, mas não respondeu, então me aproximei. Quando estava perto, vi que ele se levantou, me olhando assustado. Era um garoto, acho que da minha idade e um pouco mais baixo que eu. “O que faz aqui”, perguntei a ele.

-   Você veio para me levar de volta? - ele perguntou, ignorando a minha pergunta.


Levar pra onde? Pensei. Ele tava fugindo de alguém?
-   Não eu não vou te levar pra lugar nenhum, só vim ver os navios.
Ele pareceu um tanto aliviado. Aproximei-me mais.
-   Você vive nessa cidade? - ele tornou a falar, recuando um passo. 
-   Sim. Isso é um saco, detesto isso aqui, tenho vontade de pegar um navio e sumir, ou quem sabe afundar no mar.
-   Não diga isso! Você tem uma vida, não pode largar tudo assim.
-   Muito engraçado ouvir isso de um garoto que está escondido, fugindo de alguém.
    Foi assim que eu o conheci. Seu nome era E522 ,era um protótipo de androide de guerra feito pelo governo, pelo menos foi o que ele disse. Fora construído por uma empresa de armas para ser vendido para o exercito. A aparência de criança era para facilitar infiltrações e não levantar suspeitas, mas ele não queria ser uma arma, por isso fugiu. Fiquei de boca aberta ouvindo sua história. Era fantástico demais para eu acreditar; eu o olhava e não parecia ser um androide. Tinha cabelo, pele e olhos iguais ao de gente. No ano 2020 possuímos alguns androides empregados, mas todos eles possuem aparência óbvia de máquina. Claro que eu pedi para ele me provar, e ele fez. Levantou os cabelos e me mostrou uns buracos como de tomadas que existem na sua nuca. Disse-me que eram para conectar a máquinas de guerra.
    Só que não faz sentido; uma máquina que tem sentimentos? E pior, está renunciando o que está em seu programa? Era estranho, mas admito que estava gostando dessa bizarrice. Decidi aceitar a história, só pra manter a conversa.
Sentamos-nos para olhar os navios, enquanto ele continuava falando. Uma hora ele parou de falar e quis saber de mim. Meu nome, quem eu era, onde morava e por que estava ali a uma hora dessas. Contei-lhe tudo e ele ouviu em silêncio, sorrindo.

-   Que legal João – ele me disse – você tem uma família e amigos!
-   Eu tinha. Tô perdendo tudo.
-   Então faça algo. Se as coisas não estão dando certo, você não deve desistir delas, só tentar fazer de outro jeito.
-   É. Valeu, Vou lembrar disso.
    Perguntei-lhe para onde pretendia ir e ele não falou nada por um tempo. O silêncio tomou conta de nós enquanto olhávamos as embarcações.
-   Ei João – ele me chamou timidamente 
-   Me chame de Jonny. Meus amigos me chamavam assim.
-   Ok, Jonny. Você por um acaso não teria um pouco de plutônio aí com você, teria?
-   Olha robôzinho, se eu tivesse plutônio aqui no meu bolso, estaria sem perna, ou pior.
-   Eu imaginei – ele sorriu pra mim - Não se encontra isso para vender por ai não é?
    Balancei a cabeça negativamente sem entender o que se passava, foi então que ele respondeu a pergunta que eu fiz a cinco minutos atrás: Disse que não iria para lugar nenhum depois dali. Plutônio era a sua fonte de energia, era o que o mantinha funcionando. Como não tinha mais nenhum, logo estaria completamente desligado. Disse-me também que ainda tinha 3 horas de energia sobrando.
Plutônio? Então esse cara é nuclear? Pensei espantado.
-   Eu só lamento não poder ver mais do mundo, queria muito poder ver mais do que este porto. Queria poder viajar ter amigos, ter um apelido, assim como você. Mas não posso, nem que tivesse plutônio eu poderia, sou só uma máquina. 
-   Não tem como arrumar-te uma outra fonte de energia?
-   Você sabe onde e quando vai cair um raio? - ele pergunta rindo.
-   Claro que não, Por quê?
-   Preciso de algo que possa gerar uma reação nuclear de 1,21 gigawatz de energia. Pode ser plutônio, ou pode ser um raio.

É... Realmente não dá para eu fazer nada por ele. Fiquei triste, muito triste. Ele me olhou e pediu para que eu não ficasse assim, que ele não era uma pessoa de verdade.
-   Preocupe-se com as pessoas de verdade Jonny, ame-as.
    Fiquei com ele até o amanhecer. Logo que o sol começou a raiar, notei que ele estava quase parando de funcionar, era como um brinquedo quando a pilha ta fraca.
-   Logo eu vou Jonny, queria te pedir uma coisa. Poderia jogar meu corpo no mar? Eu não posso ser encontrado. Preciso afundar e me tornar esquecido.
-   Eu não vou esquecer de você.
-   Obrigado! Obrigado mesmo. Você fez valer a pena ter sido construído.
Tomei-o nos braços e caminhei para perto da água. Era incrível o quanto ele era leve, imaginei que seria muito mais pesado. Olhei seu rosto, e seus olhos estavam quase se fechando, quando ele me disse uma ultima coisa:
-   Jonny, seja bom.
    Os olhos fecharam, o corpo ficou mole. Os 1,21 gigawatz acabaram, e ele se foi. Sacudi seu corpo por um tempo, esperando que fosse apenas uma piada, mas não era. Ele não acordou.
Como prometido, joguei-o na água do mar e fiquei olhando seu corpo sumir na escuridão da água.
    Voltei para casa, pensando no robô. Ele estava certo; eu sou um ser vivo eu preciso dos outros e eles de mim. Sinto-me um completo idiota; um robô sai do nada e me ensina a viver, me mostra que a vida pode ter algo bom. Vou mudar meu jeito de pensar: não vou me esconder dos meus problemas. Vou tentar fazer tudo de um modo diferente.
Ele foi um robô, mas conseguiu me mostrar o valor da vida humana. Se ele,um robô, uma máquina de guerra, aprendeu o valor da vida humana, talvez nós também possamos aprender.
   by Kennen


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Missao anjo da guarda: capitulo 5: Um corpo... Duas almas


Pedro entrou em um beco e eu fui atrás. Ele parecia uma besta feroz, andando sem rumo.
De repente ele parou... e desferiu um soco contra uma caçamba de lixo, fazendo com que a mesma  se deformasse com o impacto.
– Eu disse...  – começou a sussurrar ao se voltar para mim. ­– Fica longe de mim!!! – rosnou
Seus olhos estavam completamente negros, era impossível ver algo ali. E ele não tinha aura, nenhuma aura, aquilo era impossível!
Uma fumaça negra começou a surgir a sua volta e isso fez com que eu desse um passo para trás. Aquilo não poderia estar acontecendo, eu só tinha que cuidar de um humano inferior, certo? Parecia que não.
– Eu sei quem você é... – a voz dele era grossa e assustadora. Definitivamente não parecia pertencer ao mesmo cara. –  An...jo...
Meus olhos se esbugalharam de susto. Como? Como ele sabia que eu era um anjo? A não ser que ele não fosse um simples humano.
– O que você é? – perguntei em meio a um berro. – Como sabe o que eu sou?
Umas manchas escuras foram surgindo no rosto dele como se fossem tatuagens. Seja lá o que ele fosse realmente não era humano. Se aquela missão era uma piada estava começando a ficar de muito mau gosto.
Ele torceu o pescoço de um jeito estranho e mostrou a língua para mim.
– Com medo, anjo? – ele riu alto.
– Eu não tenho medo de um humano. Vocês são como baratas. – tentei parecer ameaçadora.
– Eu não sou humano. – ele abriu a boca mostrando presas que antes não estavam ali. Grandes asas negras surgiram nas suas costas.
Eu saltei para trás e minhas asas se abriram pro reflexo.
– Demônio! – conclui perplexa.
– Exato!  Como demorou a perceber. – ele foi sarcástico.
– Pedro? – sussurrei confusa
Voei na direção dele e acertei seu rosto com um soco, um clarão de luz explodiu o beco. Fosse lá quem fosse aquele demônio, certamente não era a pessoa a qual eu deveria proteger.
Ele se ergueu do chão em meio à poeira e massageou o rosto queimado. Sacudiu suas roupas e agiu como se nada tivesse acontecido. Ainda exibia o mesmo sorriso sarcástico nos lábios.
– Acha mesmo que tenho medo de você? – ele riu. – Não passa de um simples anjo da guarda.
Fechei os meus olhos e uni as mãos. Eu poderia até ser um simples anjo da guarda mas não era assim tão fraca. Uma esfera de luz surgiu na minha mão e me impulsionei novamente voando na direção dele.
– Se eu fosse você não faria isso. – o demônio advertiu. – Se me machucar também o machuca. Somos duas almas em um mesmo corpo. Não pode fazer nada comigo sem fazer a ele também.
Parei com a esfera a alguns centímetros do rosto dele.
Ele fechou os olhos e abriu alguns instantes depois eles estavam castanhos e a marcas ou as asas nãos estavam mais lá.
Recolhi as asas e a esfera de luz imediatamente.
– O que aconteceu? – Pedro perguntou, piscando os olhos, confuso.
– Nada, você saiu com raiva e eu vim atrás. – murmurei. Certamente ele não conhecia o ser sombrio que habitava o seu corpo.
– Parece que toda vez que eu fico com raiva não lembro o que acontece em seguida. – ele balançava a cabeça, perdido. – Droga! Eu tenho que conseguir o dinheiro daquele cara. – respirou fundo. – Mas não sei como...
– De quanto precisa? – perguntei ao me aproximar dele.
–300 reais. – disse ao arrumar a postura do seu corpo.
– Talvez eu possa ajudar você. Desde que me prometa ficar longe de encrenca.
– Valeu, mas não preciso da esmola de ninguém. – ele virou as costas e saiu andando.
Repensei se não deveria ter matado aquele humano idiota junto com o demônio que há dentro dele quando tive a chance.
– Volta aqui! Prefere apanhar de um monte de brutamontes a aceitar a minha ajuda? – humano idiota!
– Pensando bem, você não vai poder me bater mesmo... – ele repensou se virando para mim novamente. – Mas já vou logo avisando que não sei quando vou pode te pagar.
– Tudo bem. – assenti. Sabia que ele não iria me pagar mesmo, contudo, no fim das contas era para salvar o pescoço dele que eu estava ali.
Voltamos para o buraco onde ele morava e eu peguei o dinheiro para ele.
Não conseguia parar de pensar no que havia acontecido, no que existia em alguma parte dele, no demônio que ocupava seu copo. Como destruir alguém sem poder matá-lo? Percebi que ser anjo da guarda talvez fosse muito mais complicado do que eu imagina.

Continua...

By Ashe

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Hunted hunter - capítulo 7 : Bloody Tears


Cap1
Cap2
Cap3
Cap4
Cap5
Cap6

     - Cadê ela? 
     - Eu não... sei...
Gabriel apertava o homem pelo pescoço. Em seu rosto, trazia uma expressão de ódio e frieza e em seus punhos, sangue humano.
***
Assolado por um mau pressentimento de que Sônia poderia estar em perigo, caçador voltou ao vilarejo Ravenest, logo após a morte de Laura.
Suas suspeitas estavam certas; logo que chegou, notou que as pessoas pareciam assustadas com a presença dele. Em seguida, passaram a ignora-lo, como se nunca o tivessem visto antes. Tentou conversar e fazer perguntas, mas ninguém lhe dava atenção, e o pior, não havia sinal de Sônia em parte alguma.
Irritado, ele começou a procurar por sí, quando então, dentro do estábulo achou a cruz de prata dela, caída no chão, com uma pequena mancha de sangue. Foi nesse momento, que dois valentões, dois dos mais altos e fortes moradores de Ravenest entraram, para dar um fim àquele visitante enxerido...
***
Um dos homens estava caído no chão, com os olhos roxos e alguns dentes quebrados, o outro, estava com Gabe sobre ele.Tinha uma garrafa quebrada enfiada na coxa esquerda, que jorrava sangue.
Soltou o pescoço dele, lhe dando uns segundos para recuperar o ar. A cruz de Sônia, caída no chão, lhe dava a certeza de que algo péssimo tinha acontecido, e aquele ataque a ele, justificava sua suspeita; aquelas pessoas sabiam exatamente onde ela estava, e quem a tinha levado.
Sônia Renard, 24 anos. Acompanhava Gabriel como caçadora de vampiros desde que ele iniciou sua missão sagrada. Ele nunca esperou que os dois tivessem uma vida longa e feliz, mas não esperava que seriam traídos por humanos que juraram proteger.
A fúria dele era quase incontrolável. Apesar da raiva que sentia, manteve uma postura calma. Seus olhos estavam injetado de sangue, mas sua voz soava calma. Ele iria matar aqueles dois e todos naquele vilarejo se não lhe dessem o que pedia. Sônia era sua humanidade, seu lado bom. Sem ela por perto, só sobrava rancor.
Pisou na ferida do homem, fazendo a garrafa quebrar, forçando os cacos a lhe penetrarem mais fundo na carne.

   - Eu sei que doi. Onde está a sacerdotisa?
O homem gritou de dor.
Os outros moradores do vilarejo estava reunidos do lado de fora do estábulo. Alguns com enxadas e forcados nas mãos. Quando ouviram o grito, a maioria deles estremeceu; aqueles dois eram os maiores e mais fortes deles.
    - Assassino! - gritou uma senhora, com uma pedra na mão.
Os demais se apressaram para calar a boca dela, mas ela resistiu:
   - É meu filho que lá dentro com aquele animal!
Do lado de fora estava um reboliço; alguns concordavam com ela, mas outros não queriam piorar as coisas. A discussão aumentou, alguns homens estavam pensando em entrar e ver o que estava acontecendo, mas então, sem que ninguém esperasse, a porta do estábulo abriu-se.
Gabriel a empurrou com o pé. Na mão direita trazia seu chicote, aquele que noite passada tinha estraçalhado os zumbis como se fossem papel. Na mão esquerda, a cruz de Sônia, com a adaga armada. Atrás dele, dentro do estábulo, puderam ver os dois fortões, terrivelmente espancados.
   - Eles estão vivos. - disse ele. - Mas ainda não me disseram onde está Sônia.
Apertou com firmeza a cruz na mão e os encarou.
Alguns homens avançaram uns passos, dando a entender que pretendiam ataca-lo. Gabe sorriu maldosamente quando fizeram isso e disse:
    - Antes de me atacarem em um numero tão grande, certifiquem-se que vocês tem espaço para tantos túmulos assim, naquele seu cemitério.
O sorriso demoníaco dele, somado ao sangue que estava espalhado por seu rosto, mais aquela ameaça de chacina eminente, fizeram os aldeões vacilarem.
   - Se não me disseram onde está Sônia, eu vou matar todos vocês. Vou me certificar que desta vez, Ravenest seja de fato, uma cidade cheia de mortos.
A segunda ameaça fez com quem uns sentissem raiva, mas a maioria estava visivelmente apavorada. Ele continuou:
   - Vou perguntar pela ultima vez. Onde está Sônia? 
   -  Ela foi levada daqui.
Era a voz de um homem idoso, vinda de trás do grupo que o cercava, parecia ser o líder ou chefe deles. A multidão abriu espaço para que o velho pudesse ser visto.
   - Onde está ela agora? Quem a levou? 
   - Se você puder se acalmar, eu lhe contarei tudo que sabemos, mas por favor, fique calmo.
   - Prossiga.
   - A umas semanas atrás, nossa vila recebeu uma visitante estranha. Uma moça de capuz preto que passou por nós e foi até nosso cemitério. A partir de então, os mortos começaram a levantar do túmulo, como você mesmo viu.
Os aldeões pareciam apreensivos, mas nada diziam. O velho continuou:
   - Mas, a alguns dias antes de voces chegarem, ela voltou a aparecer. Idenficou-se como uma vampira e que estava atrás de dois caçadores: um homem de cabelos compridos e um chicote e uma sacerdotiza. Nos disse que vocês estavam a caminho dessa cidade e que matariam todos os zumbis e depois, iriam se separar. Quando isso acontecesse, era para prendermos a mulher que ela viria para pega-la e depois disso, estariamos livres dela para sempre. 
   - Vocês entregaram Sônia para uma vampira? - gritou ele – depois de tudo que fizemos por vocês?
   - Estávamos sobre ameaça! Os vampiros controlam toda essa região! Somos escravos deles a vida toda.
   - Aquele vampiros estão todos mortos! Essa garota, quem quer que seja, é a ultima deles! Para onde ela a levou?
   - Ela nos disse onde estaria indo, até deixou um mapa de onde te esperaria, caso quisesse ir atrás dela.
    - E porque diabos não me deram essa porra desse mapa na hora que eu cheguei?
    - Nós não... achamos que...
    - Que não precisavam mais se meter em coisas de vampiros e que aqueles dois caipiras de roça seria mais do que o bastante para me silenciar?
    - Bem...é...
    - Me dá o mapa.
O caçador se aproximou do velho.

   - Me dê o mapa e eu vou embora, nunca mais vão me ver ou qualquer vampiro.
O velho senhor fez um gesto para uma jovem e ela lhe entregou um pedaço de papel dobrado.
   - Aqui está, ela está esperando em uma casa marcada aqui.
Gabe arrancou o papel das mãos dele; abriu-o e analisou: teria que pegar o caminho de volta à Crecent e depois seguir a noroeste. Havia um circulo vermelho na base de uma montanha.
Fechou o mapa e voltou-se para o estábulo.
   - Vou pegar um cavalo.
Houveram protestos, mas o líder do vilarejo mandou que todos ficassem quietos:
   - Deixem ele pegar um dos cavalos. Devemos isso a ele. Nós entregamos a amiga dele à vampira.
Antes de entrar e escolher um dos cavalos, Gabriel esfregou a mão nas roupas de um dos homens que estava com uma enxada na mão.
   - Ei! Que isso? O que você limpou em mim?
O caçador foi até a porta. Parou, olhou para trás e respondeu:
   - Minha fé na humanidade.
Respondeu secamente.
Chutou as portas e segundos depois, saiu galopando rapidamente, deixando aquele vilarejo maldito para trás.
Montanha Baljhet... já ouvira falar mas nunca teve motivos para ir até lá. O caminho não era difícil, mas o lugar não era exatamente perto. Forçou o velho cavalo de tração que encontrou, o máximo que pôde. Sua mente estava muito confusa; não parava de pensar em Sônia, e em quem poderia tê-la capturado. As palavras do Conde ainda ecoavam em sua cabeça: “ havia mais alguém”. Sabia que era uma garota vampira... Seria alguma sobrevivente do ataque insano de Laura aos vampiros de Olney? Mas se fosse o caso, porque pegaria Sônia?
Não parou a viagem nem para comer; devorou as rações ainda cavalgando, porém, pobre animal estava no limite da sua força. Não era culpa dele; os seres humanos são fracos e como todos os seres fracos, agem por medo. Uma pessoa normal teria enlouquecido... Laura jogou com ele a vida toda porque queria ser morta por suas mãos. E o conde... ele estava envolvido nisso, mas também estava sendo manipulado. Quem quer que espera naquela montanha, é a peça solta que resolve tudo.
Ao entardecer, Gabriel foi obrigado a soltar o cavalo, que estava para morrer, não tinha opção se não seguir a pé. Implorava mentalmente o tempo todo para que sua parceira estivesse bem... O pesar em seu peito era muito grande; suas ultimas palavras para ela foram agressivas. Partiu sentindo raiva dela.
   - Só mais dessa vez, aguente por favor...

***

O sol se escondia ao longe, quando chegou até o pé da montanha Baljhet. Como imaginava, havia um casarão lá. Sem medo, correu até ele, derrubando a porta com o pé.
O interior era ricamente decorado, como todo lorde vampiro gosta; cortinas grossas nas janelas, carpete ao chão, quadros lindos e caros pelas paredes... e uma escadaria para o andar de cima.
   - Oh Gabriel... - chamou uma voz feminina, do andar de cima – Gabriel, finalmente chegou! Aqueles caipiras tentaram ocultar o mapa de você por muito tempo?
A voz dela ecoava bem alto, como se estivesse na sala.
   - Suba as escadas. Sua amiga está aqui!
Subiu.
Lógico que ele esperava por uma armadilha, mas ele estava preparado; seus reflexos estavam a mil e nada o surpreenderia.
Logo que chegou ao topo da escada, um homem veio pelo corredor e lhe atacou com um machado. Gabe jogou o corpo para trás e o ataque acertou o corrimão da escada, deixando o machado preso.
O homem em questão era negro e tinha quase 2 metros de altura. Corpo sólido de músculo.
O caçador aproveitou a deixa para acertar um soco no rosto do sujeito, mas ele não parecia ter sentido muito. Com muita força, ele arrancou o machado que estava preso e o brandiu com violência. Gabriel evitou o ataque abaixando-se. Porém, desta vez o homem desferiu uma joelhada nele, acertou-o no queixo. O impacto jogou Gabe para trás; ele caiu no chão e rolou.
Sentiu os dentes baterem com força, enchendo a boca com gosto de sangue. Mal tinha se recuperado da pancada e se viu sendo obrigado a rolar mais uma vez: estava deitado no chão e o gigante estava tentando parti-lo ao meio com o machado. Rolou para esquivar, levantando-se habilmente com uma cambalhota. Tão logo ficou de pé, sacou o chicote e acertou o rosto do sujeito, com um movimento de arco.
O talho aberto no rosto dele o fez gritar de dor. Aproveitando o balanço do chicote, Gabriel girou o corpo todo, num salto de 360 graus, acertando o mesmo lado do rosto, mas desta vez com uma força muito maior. O estalo foi alto e o grito do gigante, ainda maior. Seu sangue tingiu a parede branca atrás dele.
Aproveitou-se do atordoamento causado pelo chicote para arrancar-lhe o machado das mãos e antes que pudesse reagir, acertou-o no peito com a arma. O machado cravou nas costelas do negro. Ele soltou um ultimo gemido de dor, antes de cair morto.
Havia uma porta à sua frente. Estava entreaberta.
   - Bravo! Bravo Gabriel!
Aquela voz, vinha daquela porta. Empurrou-a com a mão esquerda...
Era uma sala de jantar. Os pratos estavam postos, mas comida alguma estava servida. Na ultima cadeira, da ponta oposta a ele, estava uma moça: Estava vestida com vestido branco e preto, com babados, estilo gótico. Seus cabelos eram ruivos e curtos e os olhos, verdes e penetrantes.

   - Lembra de mim, Gabriel?
Ele arregalou os olhos. Não queria acreditar no que estava vendo, era...
   - Glória!? 
   - Sim! Sou eu! Quem diria hein? Sou uma vampira agora!
   - Mas...
   - Porque? É isso que quer saber? Vingança!
A garota atirou a taça de sangue que tinha nas mãos, estilhaçando ela na parede.
   - Vingança porque? 
   - Ainda pergunta? Você me humilhou, me rejeitou! Eu lhe ofereci amor sincero, uma vida boa, e o que você fez? Dispensou tudo! Me chamou de criança e se juntou com aquelazinha... Sônia Renard!
   - Cadê a Sônia?
   - Aquela sem graça? Bem ali.
Glória apontou para um canto. Lá estava Sônia. Algemada na parede. Suas roupas estavam rasgadas, haviam machucado em seu rosto e sangue em suas pernas.
    - Sônia! - gritou – O que fez com ela?
Glória riu.
    - Ela é tão chaaata! Não gritou em momento algum, nem quando meu guarda-costas... aquele morto ali fora... a estuprou.
Sentiu como se uma faca tivesse rasgado suas entranhas. Seu queixo caiu. Lágrimas vieram aos seus olhos.
   - Acho que aquela coisa de castidade já era não é? - riu mais uma vez, com a mão na boca.
O caçador baixou a cabeça. As lágrimas lhe escorriam pelo rosto.
   - Essa garota irritante... não gritou, não implorou.. isso me deu muita raiva. Olhe para ela! - gritou, ficando de pé. - Isso é culpa sua Gabriel! Você e essa sua sede de vingança! Você fez isso a ela!
Deu a volta na mesa, indo para mais perto dele.
   - Não vai dizer nada? Você está tão destruído assim? Juro que pensei que iria gritar e chorar... vocês dois, hunf! São dois chatos! Mas quer saber de algo realmente legal? - ela riu como uma criancinha – Sônia é a minha primeira cria... não é demais?
Rangeu os dentes. Não sentia vida na sua parceira. Pelo contrário, ela emanava o cheiro de túmulo que todo vampiro tinha.
Violaram seu corpo e a transformaram em vampira. Glória tirou tudo dela, sua vida e sua castidade...a raiva explodia nele, mas continuava sem ação. Sentia-se destruído.
   - Oh Gabriel... e agora meu amado? Você mata vampiros não é? Sônia é uma! E ai campeão da justiça? Vai mata-la tambem? Vai matar a nós duas? Eu e Laura manipulamos tudo, desde o inicio, quando eu a conheci num baile. Eu estava bebada e contei a ela de você e então ela propós um jogo, onde no final, a Sônia seria minha e você seria dela...mas a idiota se deixou matar...mas pelo menos ela me deu a vida eterna, como prometido. 
   - Porque... porque a Sônia? Seu problema era comigo.
   - Hun. Porque ela era sua querida parceira. Eu queria fazer dela o seu maior inimigo, e te forçar a mata-la. Você está com raiva não está? Vai me atacar agora e vai matar a nós duas não vai? Pois saiba que eu sei tu...

Um golpe rápido e brutal do chicote acertou o pescoço da vampira, enquanto ela falava e se gabava. Surpresa, ela não conseguiu reagir quando o caçador a puxou com força, fazendo-a voar até ele. Com toda fúria e brutalidade que seu ser conhecia, Gabriel acertou um soco no estomago da pequena vampira, com a cruz de prata em punho.
Num segundo ela estava se gabando do quão forte era como vampira e no segundo seguinte, estava debruçada sobre ele, com uma cruz enterrada no dentro de seu corpo.
O rombo na barriga fazia Glória sangrava todo o sangue que tinha sugado de Sônia. O choque havia paralisado seu corpo. Ela gemeu, olhando para ele, surpresa.
   - Ga..briel...?
Ele abriu os olhos lentamente, olhou-a nos olhos:
   - CRUX DIVINA!
Assim como Sônia tinha feito contra Vladimir, Gabriel invocou a crux divina. Uma explosão de luz branca cobriu toda sala, explosão esta que se originou dentro do corpo de Glória.
Quando o clarão passou, a pequena lady vampira estava caída a 3 metros dele. Todo seu corpo estava queimado e suas entranhas expostas, com o rombo em sua barriga. Ela gemia alto, sentindo uma dor indescritível.
   - Eu não... deveria estar sentindo tanta dor... eu sou uma lady vampira!
Gabe aproximou-se dela, a passos lentos, olhando-a.
    - Gabriel! Estou com medo! Por favor... me perdoe.
Ele mexeu no bolso e tirou uma moeda de cobre. Colocou a moeda na boca dela.
   - Entregue isso ao barqueiro, no mundo dos mortos. Adeus.
Ela arregalou os olhos, implorando por perdão. A porta da adaga que saía do cabo da cruz perfurou seu coração podre.
Glória era só um montinho de cinzas no chão.
Fechou os olhos e respirou fundo. Ainda não era hora de descansar. Ainda havia mais um vampiro.
   - Gabriel...
A sacerdotisa o chamou, sua voz estava trêmula e carregada de dor.
Ele foi até ela, cheio de pesar no coração.
   - Ah Sônia... o que fizeram com você?
Soltou-a das correntes. Não havia mais vida em seu corpo. Não bastando isso, seu corpo tinha sido violado. Tudo isso por causa dele, para atingi-lo. Tudo isso porque ele se recusou a se casar com uma maluca, a alguns anos atrás.
   - Me pegaram desta vez, parceiro. - respondeu ela, tentando ficar de pé. 
   - E agora? - perguntou ele, escorando o corpo dela ao seu. - o que acontece agora?
   - Você sabe o que acontece agora Gabe.
   - Não! Isso não! Não me peça isso!
   - Olhe pra mim! Olha o que sobrou de mim! Eu não posso mais viver. Me tiraram tudo. Tudo, menos você.
Tocou carinhosamente o rosto do amigo.
   - Não me negue isso – continuou ela – não permita que eu viva dessa forma.
Secou as lágrimas que lhe escorriam e concordou com a cabeça. Ela era uma vampira,a ultima vampira da região, e precisava ser destruída.
   - Me leve para fora. Quero ser morta pelo sol, pelas mãos e Deus. Por favor.
Sem muitas opções, ele a levou para fora. Ainda era noite. Teriam que esperar o amanhecer.
Sônia ajoelhou-se para orar e ele ficou ao lado dela, sem dizer uma palavra.
A tantas da manhã, depois de terminar suas orações, a sacerdotisa olhou para eu amigo e sorriu:
   - Você conseguiu usar a Crux divina. Fiquei impressionada. Eu levei muito tempo para conseguir usa-la. 
   - Aprendi com a melhor.
Os dois riram. O sol, ameaçava nascer. Sônia sentiu seus últimos momentos.
   - Gabriel. Antes de te conhecer, eu não temia nada. Eu vivia para servir a Deus e estava pronta para morrer por meu dever. Todo dia podia ser meu ultimo, e eu aceitava isso numa boa. Mas desde que fui escalada para ser sua parceira, eu passei a ter medo de tudo. Eu temia a perda, temia a morte.. Percebi que meu maior temor na verdade, era de me apegar. Você me trouxe uma dor que eu nunca quis. Uma dor que eu nunca pedi. Uma dor que aumentava a cada dia que eu passava com você. Sou muito grata por tudo que passamos juntos...obrigada Gabriel. Eu amo você.
Os raios de sol tocaram a pele alva dela.
Fechou os olhos e deixou que Deus a levasse. O sol a queimou gentilmente, transformando-a numa estátua de cinzas. Uma estátua que ainda sorria.
Ele não conseguia conter suas lágrimas. Tocou a amiga no rosto pela ultima vez, fazendo-a se desmanchar completamente...
O dia estava começando. Pegou a cruz, levantou-se, respirou fundo e se pós a caminhar. De volta para casa. Missão cumprida.
Na estrada, ele viu um homem de capuz negro, sorrindo para ele. Brincava com uma moeda de cobre entre os dedos finos esqueléticos...
***
Dias depois, ele estava na catedral de Roma. Reportou à seus superiores o sucesso da missão. Os padres fizeram uma missa pela alma da sacerdotisa morta.
Os dias e as noites voavam. Nada mais tinha sentido para ele. Estava sem ela pela primeira vez em muito tempo. Quase não saia do quarto. Quase não comia.
Até que, uma noite...
Deitado em sua cama, olhando para o teto, levou um susto quando um vento repentino soprou, escancarando a janela. Um som, como se fosse um suspiro soou pelo quarto. O vidro da janela ficou embaçado.
Levantou-se, olhando para a janela.
Uma mensagem começou a se escrever sozinha no vidro embaçado, como se dedinhos invisíveis estivessem escrevendo:

JUNTOS
PARA
SEMPRE
S.R.

Um sorriso lhe veio aos lábios, seguido por uma gargalhada. Sentia claramente a presença dela.
   - Senti sua falta.
Mais uma vez, ele ouviu aquele suspiro. Era o jeito dela de se comunicar.

***

Do lado de fora da catedral, um homem de vestes pretas atirava uma moeda de cobre para cima com os dedos. Ele sorriu, deu as costas e foi-se embora, sumindo nas sombras.


FIM.